Está entre as responsabilidades do Estado garantir o acesso à cultura por toda a população. Porém, por mais que o Governo atue como produtor cultural nas sociedades modernas, esta ação não é suficiente para abarcar toda a oferta e toda a demanda por bens e serviços culturais.
Para isso, criou-se a Lei Rouanet, que tem por objetivo macro a parceria entre o estado, os produtores culturais e a iniciativa privada. Com o uso da Lei, empresas financiam atividades culturais e artísticas, apoiadas num modelo de renúncia fiscal atrelada ao investimento cultural brasileiro. A Lei Rouanet, junto com outras leis estaduais e municipais, proporciona a união de forças no fomento da política cultural nacional. Sobre isso, comentou, em 1997, o então Ministro da cultura, Francisco Weffort:
A cultura brasileira não é do Estado, a cultura brasileira é do povo, da sociedade, da empresa, dos trabalhadores, da gente que vive no país. Quando se fala do aumento da participação da iniciativa privada, o objetivo é a democratização da cultura. Ele pode fomentar, estimular, mas não cabe a ele decidir que filme vai ser feito.
A Lei Rouanet veio viabilizar a parceria entre o artista, que contribui com um trabalho criativo; o patrocinador, que viabiliza os recursos financeiros; e o Estado, que estimula a participação da sociedade nesse processo, através de incentivo fiscal.
A Lei Rouanet foi criada em dezembro de 1991 e dá base para toda política de incentivos praticados no país. Seu processo de funcionamento começa na aprovação prévia de projetos oriundos de pessoas físicas e jurídicas públicas ou privadas de cunho cultural, com base na análise de seu mérito, por uma comissão composta por representantes do governo e de entidades culturais. Com a aprovação e posterior publicação dessa decisão no Diário Oficial da União, o produtor torna-se apto para captar recursos em empresas estatais e privadas, ou mesmo de pessoas físicas.
A empresa ou pessoa física que patrocinar o projeto deduzirá parte ou a totalidade do valor investido em seu imposto devido. Esse valor, revertido em bem cultural para a sociedade, sairá, portanto, do imposto devido que o Governo deixa de recolher com esse processo.
O incentivo fiscal é um estimulo ou tipo especial de subsídio instituído pelos entes tributários, por meio de renúncia de suas receitas tributárias, ato que deverá obedecer às normas, diretrizes e metas estabelecidas pelo Plano Anual. O mesmo deverá estar de acordo com plano plurianual e com a Lei de Diretrizes Orçamentárias, com a finalidade de alavancar o desenvolvimento de certas áreas geográficas e setores econômicos ou gastos de alcance social e cultural, dentro da política socioeconômica de cada ente concedente do benefício.
O teto permitido para dedução do Imposto de Renda Devido é de 4% do valor total para pessoas jurídicas, e de 6% para pessoas físicas.
Como essa seria uma atribuição do Governo Federal, cabe, ainda, ao Ministério da Cultura, que chancela a aprovação de tais projetos, o acompanhamento de toda a prestação de contas – tanto por parte do patrocinado quanto por parte do patrocinador.
É importante, ainda, frisar que se enquadram no papel de patrocinadores, por meio de incentivos fiscais: microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional, empresas com regime de tributação baseada em lucro presumido ou arbitrado e doador ou patrocinador vinculado à pessoa, instituição ou empresa titular da proposta (exceto quando se trata de instituições sem fins lucrativos, criada pelo incentivador).
Já o papel de patrocinado ou proponente se dá a pessoas físicas, jurídicas, públicas ou privadas, com atuação na área cultural, que proponham programas, projetos e ações culturais ao Ministério da Cultura. O ato constitutivo dessas empresas (no caso das pessoas jurídicas) deverá dispor expressamente sobre sua finalidade cultural.
Esses proponentes também não podem estar inadimplentes com outras responsabilidades fiscais, como o pagamento de INSS, FGTS, GPRS e outros tributos. Devem ter acesso à livre movimentação bancária, já que uma das fases seguintes à aprovação será a abertura de conta bancária exclusiva para recebimento dos recursos captados.
De acordo com as normas estabelecidas pela lei, o patrocinador poderá receber 10% do total de itens produzidos pelo projeto (CD’s, ingressos, revistas, livros etc.), desde que seja o único patrocinador. Em caso de projetos com mais de um patrocinador, essa cota será dividida de acordo com o valor investido por cada patrocinador. Esses produtos, em geral, são utilizados em ações de relacionamento das empresas.
Ainda é permitida a veiculação da marca da empresa patrocinadora em peças gráficas e ações promocionais realizadas pelo projeto, mesmo que o agente cultural seja uma empresa com fins lucrativos.
Com isso, uma ação de patrocínio pode ser interessante para o desenvolvimento de ações de relacionamento da empresa, como também pode contribuir para a disseminação de sua marca, que estará vinculada a ações culturais que promovam ações de responsabilidade social para o país.
Mudanças à vista
Hoje, o Orçamento do Ministério da Cultura para a área cultural, em si, é quatro vezes menor do que o orçamento proveniente de renúncia fiscal de investimento em patrocínio a projetos culturais. Mesmo diante do quadro apresentado acima, o Governo defende uma mudança urgente na Lei Rouanet.
Essa mudança parte do princípio de que, mesmo com tanto investimento, ainda pouco se faz pela democratização efetiva dos bens culturais no país. Para se ter uma idéia, de acordo com dados apresentados pelo Ministério da Cultura, 90% dos municípios brasileiros não possuem sala de cinema, teatro ou centros culturais.
Isso ocorre porque, em geral, a iniciativa privada prefere investir em patrocínio em praças de maior visibilidade. A maior parte dos projetos em fase de captação está na região Sudeste.
Além disso, há uma predisposição para investimento em projetos que proporcionem renúncia de 100%. De acordo com a pesquisa realizada pelo MinC, de cada dez reais captados, nove são de renúncia.
Atualmente, a Lei Rouanet prevê dois tipos de enquadramento para projetos, de acordo com sua natureza. O patrocínio a projetos enquadrados no Artigo 18 da lei, nas áreas de artes cênicas, livros de valor artístico, literário ou humanístico, música erudita ou instrumental, circulação de exposição de artes plásticas, doações de acervos para bibliotecas públicas e para museus, produção de obras cinematográficas e videofonográficas de curta e média metragem, preservação e difusão do acervo audiovisual e preservação do patrimônio cultural material e imaterial – terão 100% do valor investido revertido em renúncia fiscal.
Já o patrocínio a projetos enquadrados no artigo 26 da lei, nas áreas de dança, circo, ópera, mímica e congêneres, produção cinematográfica, videográfica, fotográfica, discográfica e congêneres, literatura, inclusive de referência, música popular, artes plásticas, artes gráficas, gravuras, cartazes, filatelia e outras, folclore e artesanatos, patrimônio cultural, bibliotecas, museus, arquivos e demais acervos, humanidades, rádio televisão, educativas e culturais, de caráter não comercial e artes integradas – terão apenas 30% do valor investido revertido em renúncia fiscal, enquanto os outros 70% serão de responsabilidade da empresa patrocinadora.
Isso faz com que os investimentos por meio da lei se direcionem com mais ênfase para projetos enquadrados no Artigo 18 e que também proporcionem maior retorno de imagem e maior possibilidade de ações de marketing para as corporações.
Na opinião do Ministro da Cultura, Juca Ferreira, criou-se um vício de mecenato com dinheiro público, por parte da iniciativa privada. Para ele, o índice de 100% de isenção fiscal deveria ser uma exceção, e os projetos não deveriam ser avaliados levando em conta apenas sua natureza.
Para tanto, o Ministério da Cultura, chancelado pelo Governo Federal, tem mantido inúmeros debates com a iniciativa privada, com o setor artístico e com a sociedade em geral, a fim de apresentar ao Congresso Nacional, ainda em 2009, a reformulação da Lei Rouanet. (Visite
http://blogs.cultura.gov.br/blogdarouanet/)
Entre os pontos significativos apresentados nessa nova proposta, está a mudança no critério de avaliação e renúncia, estabelecendo, a partir de então, pontuações e pesos que determinarão a porcentagem a ser renunciada para cada projeto. Este critério pode envolver, por exemplo, a venda ou não de ingressos, a localização e outros fatores de relevância para a sociedade.
Ou seja, quanto mais voltado às políticas públicas e quanto maior a democratização de acesso proposta pelo projeto, maior poderá ser a renúncia. Quanto maior o investimento concedido pela empresa, mais ela poderá usufruir os produtos resultantes do projeto. Além disto, as empresas que liderarem o ranking de patrocínio poderão ganhar um Selo de Responsabilidade Cultural, trazendo maior visibilidade para sua corporação.
Outra mudança importante defendida na proposta é o aumento da renúncia fiscal para pessoas físicas, hoje limitada a 6%. A proposta é que esse teto suba para 10%.
A adoção indiscriminada de incentivos fiscais na cultura levou à atrofia dos orçamentos públicos e à inibição da atuação do poder público, que se tornou refém de um processo cuja dinâmica não necessariamente leva em consideração o interesse da sociedade. Como não tinha orçamento, o Ministério da Cultura caiu no conto de que, com a Lei Rouanet, poderia fazer coisas importantes. E fez, de fato. Mas isso é um desvio de função. Programas de governo deveriam ser feitos com dinheiro de orçamento. Ao substituir o orçamento pela lei, o Ministério da Cultura ficou refém do mecanismo de incentivo.
Em face das crescentes críticas do mundo cultural, tem sido de extrema importância discutir mudanças que tragam acesso a todos. Essa é, sem dúvida, uma demanda de um mundo globalizado e cada vez mais dinâmico. Garantir uma melhor distribuição geográfica de investimentos e a participação efetiva do setor privado na cultura do país é uma tarefa urgente. E esse tem sido o alvo desse novo rumo. Vamos participar!